Leia o poema “Dissolução”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), que integra o livro Claro enigma, publicado originalmente em 1951.
Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve¹
ao dia findar,
aceito a noite.
E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.
Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?
E nem destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.
E aquele agressivo espírito
que o dia carreia²
consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada.
Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.
Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.
(Claro enigma, 2012.)
¹aprazer: causar ou sentir prazer; contentar(-se). ²carrear: carregar.
Personificação: recurso expressivo que consiste em atribuir
propriedades humanas a uma coisa, a um ser inanimado
ou abstrato.
(Dicionário Porto Editora da Língua Portuguesa.
www.infopedia.pt. Adaptado.)
Verifica-se a ocorrência desse recurso no seguinte verso:
A) “Vazio de quanto amávamos,” (3ª estrofe)
B) “E nem destaco minha pele” (4ª estrofe)
C) “Esta rosa é definitiva,” (6ª estrofe)
D) “Pois que aprouve ao dia findar,” (1ª estrofe)
E) “No mundo, perene trânsito,” (7ª estrofe)
---------------------------------------------------------------------------------- RESPOSTA: D
» Resposta comentada
Nesse verso, ocorre o sentido simbólico da chegada da
velhice do eu lírico, que é personificada pelo dia que
sente prazer em terminar, pois o verbo “aprazer”
(aprouve) tem entre seus significados, segundo o
dicionário Houaiss: “causar ou sentir prazer,
contentar (-se)”.
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